27 December 2008

(final destination: Lisboa) dar e receber

Chegámos mesmo (mais ou menos) como previsto (mais ou menos pelo mesmo caminho) ao nosso destino, (mais ou menos) 1 dia depois.

Um autocarro para Margão, outro para Vasco da Gama até ao aeroporto - o condutor fez-nos um "jeitinho" e deixou-nos numa rotunda lá perto em vez de no centro da cidade para não termos de apanhar um taxi ou um tuc-tuc, e foi ali que as nossas previsões começaram a falhar -, onde algum tempo e um suborno depois embarcamos no nosso primeiro avião. Não tínhamos reparado na escala que íamos fazer em Bombaim quando comprámos o bilhete para Delhi, mas "até foi bom porque reduziu o tempo de espera no aeroporto" foi o nosso pensamento "e até parece que chegamos a casa mais depressa".

...De Bombaim para Delhi de avião, e mais um taxi para mudar de terminal na capital. Um trânsito infernal e um amigo do taxista que precisou de uma boleia entrando no carro em andamento - cheguei a pensar que era "O" assalto que faltava somar às aventuras da viagem!- desviaram-nos do nosso caminho e o resultado foi um mini-tour (ainda bem que paguei o taxi antes de entrar e depois de implorar para baixar o preço, com as últimas rupias que tínhamos nos bolsos). Tudo a correr bem e a nosso favor até aqui.

A coisa muda de figura na sala de espera onde a única solução foi tapar-me com um pano gigante para conseguir dormir umas horas protegida dos olhares fulminantes dos outros viajantes... mesmo após alguns meses de treino dei por mim a pensar que andar de burca por estes lados pode não ser sinal de opressão mas de opção. Já tinha percebido que ali, mais a norte, os homens não me dirigiam a palavra e remetiam as respostas às minhas perguntas directamente para J. Decidi, debaixo da minha bolha, que "adoro os chineses mesmo quando querem ir duas horas colados a mim a ler do mesmo livro que eu, e a sua curiosidade os faz olhar copiosamente ora para a minha cara a um palmo da deles ora para a história escrita num código que não entendem", pelo menos tenho a certeza que nas sua mente viajam pensamentos de espécie inocente.
"Inspira-expira, afasta os pensamentos, Om...", tentei lembrar-me das últimas técnicas de relaxamento aprendidas em Arambol. Finalmente o nosso voo apareceu no quadro e, depois de sobrevoar meio país e no terceiro aeroporto, alguém nos pedia os passaportes. Estava tudo tratado incluindo a nossa ligação a Lisboa, o nosso último destino, apercebemo-nos.

Junto da porta de embarque surgiram os primeiros avisos de que o voo iria partir mais tarde porque o monstruoso boeing da British estava atrasado e " ainda não tinha chegado ainda de Londres" apresar de o vermos estacionado na pista do outro lado do vidro. O terceiro aviso coincidiu com a certeza de que as 4 horas que separavam este do nosso último voo já tinham passado, e ainda estávamos ali em Delhi e encher-nos de sandwiches e outros mimos ao som de vozes de protesto e de campaínhas que antecediam vozes tranquilas que nos informavam de mais um e outro atraso. Dentro do avião foi bar aberto de tudo!

Finalmente em Londres e bem depois do tempo que deveríamos estar a chegar a casa soubemos que o próximo voo seria às 6 da manhã do dia seguinte. Passámos a noite num hotel e às 4 da madrugada, de havaianas nos pés, fomos novamente para o aeroporto a sorrir e a pensar "é desta!". Não foi.

Ainda estávamos na fila do check in quando decidiram fechar as portas do avião: fomos os 2 únicos passageiros desse voo que ficámos em terra. Segundo avião perdido, outra fila, mais outro balcão, "já só queremos chegar antes do Natal", outro voo marcado. Embarcámos no das 8 e 30 e depois do que nos pareceu uma questão de minutos aterrámos em Lisboa. As nossas malas não.

2 horas noutra fila - a nossa odisseia já durava há 57 -, para reclamar a bagagem. Chegaria nessa tarde mas afinal só chegou 2 dias depois, separada, em voos diferentes. De que nos valeria chegar antes do Natal sem os presentes? Receber é bom mas dar é muito melhor!, adoro escolher cada um, embrulhar de uma maneira diferente a cada ano que passa. Neste Natal só queria mesmo estar em casa, e estando, acabamos por receber os presentes de sempre. Adorei tudo!, mas não achei piada que o "amigo secreto" tenha escolhido dar-me um virus: estou doente, de cama. Mas talvez tenha sido a única maneira de finalmente sossegar.

Já é dia 27 e ainda não tinha ligado o computador. Agora que olho para as minhas mãos, unhas limpas e manicure a saltitar de tecla em tecla - algumas com os acentos!-, tenho a certeza que cheguei a casa, que esta viagem chegou ao fim.


PS- vamos manter o blog aberto até as nossas coisas chegarem da Tailândia. Parte de nós ainda anda algures pelo mundo, num barco, à deriva.

15 December 2008

mais uma volta...







Cada mergulho ja sabe a despedida n'A praia desta viagem. Quando pensarmos em Palolem vamos tambem lembrar-nos dos amigos que aqui fizemos, da Anita, do Thomaz, do "uncle", e que ficaram contentes de nos voltar a ver por aqui.
Estamos entusiamados com o regresso mas ja sofremos por antecipacao as saudades deste mar e de enviar ondas para Mocambique - Bicuka, este post e para ti que fazes com que os dias 13 nunca sejam de azar, que estas sempre do nosso lado, que viajas comigo para onde eu vou, e durante o mes que passou estiveste "aqui tao perto", PARABENS! -, das noites iluminadas por velas, do por do sol, das visitas dos golfinhos que sao tao queridos que o proprio nome comeca logo no diminutivo... acordar cedo tornou-se vontade (pai, que orgulho heim?, isto e o facto de andar em cima do mesmo par de havaianas desde a china! Uma verdadeira revelacao espiritual-quase penitencia, que nem o "encontro com o guru" nem os pinos de 10 minutos conseguiram superar. Longe vao os dias de ter de ir a Dublin buscar malas so com sapatos!... Sei que o proximo mes vai ser crucial e que provavelmente vou vacilar quando tiver de escolher o que calcar cada manha... e depois de almoco... e a noite...), mas vai ser um habito facil de abandonar porque em Lisboa esta frrrrrio e vai custar sair da cama.
De Arambol aqui os 80 Km dividem-se em 4 autocarros e espalham-se ao longo de um dia por atalhos. A carreira e "flexivel" no horario e no percurso, o numero de paragens ilimitado. Cada autocarro tem pelo menos 3 funcionarios: o condutor numa "jaula" com ventoinha para nao ser esmagado pela clientela, o "esmagador" que tambem pesca os ocupantes em andamento porque nao se para so se abranda, e o "assobiador" que anuncia as paragens e controla a porta que nao e automatica. Se apanharmos os putos a sair da escola a viagem duplica em tempo, multiplica em atalhos, triplica em lotacao - no lugar de um adulto cabem 2 criancas, que entram em grupos de 20 ou 30-, e nessas alturas desvio o olhar e o nariz da janela para olhar para J. que me parece ter miudos as cavalitas, e em cima da cabeca porque ao colo e normal, mais um caixote de papaias no meio das pernas.
Ja sei que vou sorrir quando me lembrar destas viagens e das de comboio - onde os vendedores de comida de todas as cores e sabores passam o dia rezar os nomes das coisas que vendem em ladainhas repetidas que comecam quando a porta de abre e desvanecem no fundo do corredor quando ja outro canta mais alto - , das vacas "vadias", dos gritos roucos das gralhas, do cheiro a insenso nas manhas preguicosas e nos fins de tarde interminaveis, do "hello my friend" (ate nisto Goa se parece com o Alentejo)... Namaste.
Daqui de Palolem a Vasco da Gama, de Goa para Delhi, de Delhi para Londres, e finalmente ate Lisboa, 2 autocarros, 1 tuc-tuc, 3 avioes e 2 dias depois havemos de chegar a casa. Ate ja!

11 December 2008

Arambol







Aconteceu! Dissemos "vamos para casa".

Ainda ha pouco mergulhei, voltei acima, e pensei: podia fazer isto para sempre. 6 meses depois de deixar o atelier estamos a deriva, e a adorar. Pensava que os remorsos iam chegar mais cedo, mas so se vive uma vez e isto sim, e vida!

Temos estado em Arambol, e pela primeira vez alugamos um apartamento - entenda-se puxadinho com mais que as usuais 2 divisoes, quarto/casa de banho, este tem sala e ate duas varandas!-, o que nao significa que de repente tenhamos decidido fazer uma extravagancia. Pelas mesmas 300 rupias que valem uma cabana, conseguimos esta pechincha. Falidos como estamos decidimos prolongar a estadia nesta vila que nem sequer e bonita, nao tem charme, cheira mais que as outras, tem mais vacas vadias, e menos palmeiras na praia... mas um areal interminavel, que as 7 da manha ja e bastante concorrido e palco de lentas caminhadas, praticas de yoga, tai chi, meditacoes, familias de hippies cheias de filhos e avos que certamente aqui regressam todos os anos.

Mais sossegada que Anjuna, parece ser destino de eleicao de uma geracao de hippies de epoca estival - aparecem aqui 'mascarados' e pelo sotaque vem de zonas posh de londres-, que se reunem de manha no restaurante mais in e ao fim do dia na praia a louvar o astro rei em rituais inventados, alguns deles tao absurdos que chegam a ser comicos, e improvisam cancoes tao desafinadas que dificilmente se regem por qualquer harmonia de origem natural. Volta e meia lembramos-nos da serie da BBC "Absolutely fabulous', varias vezes ao dia!

Na areia erguem-se castelos de um tamanho que nenhuma crianca conseguiria fazer nem saltando muito alto com os bracos esticados, quase 2 metros de amontoado de areia que so uma visao pouco pura e deturpada pode transformar em aberracoes. Uma vaca ao lado da uma escala tao estranha a imagem, que nos faz duvidar se nos prorios nao estaremos a alucinar sob o efeito de alguma substancia, ou da felicidade colectiva que a todos faz sorrir.

Nesta aldeia que parece inventada instala-se de verao uma repudata escola de yoga, para onde nos mudamos, trocando o nosso AP por mais uma cabana. Esta fica no meio da selva, depois de um trilho que vem da praia.

No meio disto tudo, montes de russos - da russia mesmo!, que nao vemos na praia durante o dia, e um deles ate esta na minha turma- completamente bebados passam a noite de um lado para o outro em cima de motas de aluguer, dentro de taxis... nunca se percebe de onde vem nem para onde vao. O tal da minha turma tem um problema de nervos " que o faz andar a pancada muitas vezes" por isso virou-se para o Yoga. E este e menos assustador dos coleguitas que teriam feito melhor se tivessem gasto o seu dinheiro numa das inumeras terapias alternativas a base de cristais, sons e luzes que por aqui se vendem. O Guru, apesar do tipico ar disso, foi a pessoa mais normal com quem convivi nos ultimos dias.

07 December 2008

festa na aldeia






As festas de S. Francisco Xavier levaram-nos ate Velha Goa, onde sao celebradas com mais devocao... e quanta! Nao sei se fizemos bem ou mal - no caminho 'para casa', esmagada e banhada em suor alheio dentro do autocarro, optei pela resposta B -, mas estas sao oportunidades unicas que nos iriamos arrepender de ignorar, quando o calendario poe um acontecimento destes no nosso caminho. Festas populares sao sempre uma alegria!, e seria coincidencia a mais se para alem de outras tradicoes portuguesas tivessem adoptado as marteladas na cabeca como no S. Joao, por exemplo. Ja deviamos ter aprendido que na India e impossivel prever o que quer que seja, mas nada podia ser pior que 'apanhar marteladas' indianas.


Da cidade que outrora rivalizou com Lisboa, restam 'apenas' as Igrejas enormes, vazias mas cheias. Sim, sem nada: so as paredes brancas pontualmente cravadas pelos impressionantes altares, e um mar de gente a deambular - sem a ordem imposta pelos bancos, os percursos ficam menos definidos e a nave central alarga ate se transformar numa grande sala, numa grande casa-, ou a dormir pelo chao, ou de joelhos a rezar, ou a comer. As pequenas capelas laterais transformam-se em 'salas VIP' - deve ser uma correria quando abrem as portas de manha para ver quem apanha a melhor-, com panos estendidos no chao e familias em volta deles... Onde almocaste hoje? Na casa de Deus!... Pensando bem, que mal tem? Comer e afinal uma actividade caseira... mas deixar pernas de frango?...


Tal como na missa de domingo, 'dress to impress' era a palavra de ordem, e esse e um espectaculo que vale mesmo a apena ver. Para alem das igrejas outra massa destacava-se acima da copa das arvores. Uma roda gigante em rotacao super rapida - para la dos limites legais para as forcas G de certeza, mas o que sao as 'nossas' regras nestes lugares, o que a malta quer e divertir-se!-, mais umas centenas de metros de bancas de doces, fritos, salgados, flores. No minimo foi um dia intenso. Sei que daqui as uns dias, ou depois de uns quantos banhos, tudo nos vai parecer mais... poetico.

02 December 2008

(mais) uma casa portuguesa







Esta fica em Chandor, a cerca de 30 km de Palolem, mas a viagem!... demorou tanto como ir de Lisboa a Porto Covo, naqueles (tem de se mudar a meio do caminho) autocarros locais que parecem ter sido roubados de um ferro velho, cheios de remendos, baratas, bancos de pau que se transformam em objectos de tortura quando passamos sobre as lombas da estrada.
Da conducao nem se fala, os "altares" no tablier dizem tudo e parecem de catedral a comparar com os dos taxis. A filosofia e a mesma, e ate lhes dao nomes religiosos como se faz com os barcos. Quando se pergunta qual e o autocarro que vai para determinado sitio indicam o Sto. Antonio, ou a Sta. Teresa, que devem estar estacionados para ali - apontam para um mar de latas ferrugentas estacionadas de qualquer maneira-, e encontrar o tal e uma verdadeira provacao, ate porque os nomes das localidades se dizem de pelo menos 3 maneiras diferentes, a antiga, a nova, a inglesa...
Chegados a Chandor: a tal casa, hoje mantida pelas duas familias que habitam as 2 enormes alas, ocupa um dos lados do "largo" - entenda-se campo aberto de terra batida onde o autocarro nos deixa so a nos seguindo sabe-se la para onde no meio da selva-, dominado por uma igreja que parece grande demais para a populacao da zona. Mas linda.
Com as maos em concha sobre os olhos por causa do sol, vemos acenar de uma das varandas. Mandam-nos "subir". Passamos o portao, uma escadaria... entramos na ala dos Menezes Braganca, guiados em portugues por uma octagenaria que descreve peca a peca, todas as loicas- companhia das indias e vista alegre-, pratas, colchas de renda, retratos, vasos chineses, pecas de mobiliario tao familiares. O salao de baile resplandecente de luz - o chao de marmore italiana, polido pelo tempo, branco como porcelana-, a sala de jantar com lustres de cristal belga, as janelas abertas para o jardim, uma luz verde filtrada, uma frescura que se sente como um privilegio.
A casa de 400 anos, por fora decadente, e mantida a custa de donativos dos visitantes que nem devem ser muitos a julgar pela ala dos Pereira Braganca - que apesar de pior mantida deveria ter sido mais exuberante que a do vizinho do lado naqueles tempos-, ainda possui uma capela com uma reliquia de S. Francisco Xavier, e que nos foi apresentada por uma mae e pelos seus filhos que ora se agarravam as suas saias ora se sentavam em cadeiras oferecidas pelo rei D. Carlos para as quais apontava a nossa passagem, ou saltitavam sobre uma impressionante cama de docel... Sai-se de la com um misto de satisfacao e frustracao, pena. Acabavamos de ver uma imagem que se desvanece, e vai desaparecer um dia.
Enquanto nao passa outro autocarro no sentido oposto esperamos num "cafe" a comer chamucas e a beber qualquer coisa. Quando aparece finalmente um, bem depois da meia hora que a dona diz ser a frequencia deles, acabamos por "ter de" o deixar partir. A senhora esta entretida com a conversa e diz, " nao faz mal, apanham o proximo". E nisto passa-se um dia.